Por Cristiano França
(Instagram: cfeleito)
“Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:1-2)
A passagem bíblica que acabamos de ler é sempre evocada pelos líderes religiosos (de todos os segmentos do cristianismo, mas, principalmente, os evangélicos pentecostais e neopentecostais) para alertar os seus seguidores a respeito de práticas absolutamente normais da vida, tais como: ir à praia, frequentar cinemas e teatros, ouvir músicas seculares, consumir bebidas alcoólicas com moderação, frequentar shows e eventos não-evangélicos etc. (ao menos na época em que fui pentecostal todas estas práticas, entre muitas outras, eram terrivelmente condenadas).
Talvez alguém que não tenha passado por tais proibições e imposições religiosas pode se perguntar: “Por que atitudes tão normais eram proibidas e demonizadas?”. A resposta é bem simples: porque eram consideradas “do mundo”. Uma vez que o cristão tem o chamado de “não se conformar ao mundo”, tais práticas eram totalmente abolidas do dia a dia dos adeptos das denominações evangélicas. Mas, será que o apóstolo Paulo estava se referindo a este conceito de mundo que a maioria dos chamados cristãos abomina ardentemente?
A palavra “mundo” em Romanos 12:2 vem do grego “aion” ― que significa, literalmente, período de tempo. Neste texto o apóstolo Paulo faz uma alusão àquele momento em que eles estavam vivendo, ou seja, à ordem estabelecida naquele tempo pelo sistema social e religioso em que a Igreja estava inserida. Se observarmos bem, veremos que boa parte da carta Aos Romanos foi usada pelo apóstolo para tratar, principalmente, acerca do problema da relação da Igreja com a Lei ― Paulo buscava dissuadir aquela congregação a não se envolver com o Antigo Pacto. Vejamos:
“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei.” (Romanos 3:28)
“Porque não foi pela lei que veio a Abraão, ou à sua descendência, a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo, mas pela justiça da fé. Pois, se os que são da lei são herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é anulada. Porque a lei opera a ira; mas onde não há lei também não há transgressão.” (Romanos 4:13-15)
“Pois o pecado não terá domínio sobre vós, porquanto não estais debaixo da lei, mas debaixo da Graça.” (Romanos 6:14)
“Assim, (…) também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo…” (Romanos 7:4)
Pensando em termos históricos, apesar de Jesus já ter morrido e ressuscitado na época em que Paulo escreveu suas cartas (ou seja, a Lei já estava obsoleta do ponto de vista de sua função), as práticas do Velho Pacto ainda estavam “em vigor” naquele tempo, uma vez que o Templo de Jerusalém ainda estava de pé. Tendo isso em mente, observemos agora que Paulo diz aos Romanos que o caminho para eles não se envolverem com o senso comum daquela época (isto é, com aquele “aion“) era a busca pela renovação da mente. Perceba: quando Paulo falou de renovação ele estava sugerindo que os irmãos da congregação de Roma não se envolvessem com o que era antigo. Sendo assim, tendo em vista o contexto e o principal motivo da carta, fica fácil entender que ele falava das práticas da Lei:
“Dizendo Nova Aliança, envelheceu a primeira.” (Hebreus 8:13)
Naquela sociedade a prática da Lei era muito comum, pois muitos judeus criam em Jesus Cristo, mas permaneciam fiéis às obras da Lei; e com a conivência dos demais apóstolos, é bom que se diga (Atos 21:20). Deste modo, todas as igrejas eram transtornadas pelos judaizantes, que queriam impor as práticas da religião judaica aos membros das congregações. Assim sendo, “conformar-se com o mundo” era, principalmente, o mesmo que aceitar que as obras da Lei fizessem parte da vida da Igreja.
Para encerrar: é evidente que sempre houve no mundo ― e sempre haverá ― obras más que nós, como representantes de Cristo, não devemos nos envolver, pois isto também é assumir a forma do mundo. Não é por acaso que Paulo dá diversos conselhos de boas obras no contexto do capítulo doze da epístola Aos Romanos e ensina, falando abertamente, sobre as verdadeiras práticas más quando cita as obras da carne (Gálatas 5:19-21). No entanto, o conceito de não se conformar ao mundo não é você deixar de praticar as coisas normais da vida, suprimindo a sua liberdade pessoal. Romanos capítulo doze trata, sim, de vivermos uma vida de boas obras, mas aborda, principalmente, a renovação da mente da Igreja em relação ao Antigo Pacto, que, a propósito, é a principal pauta de nosso Ministério ao longo de todos esses anos de trabalho.